Se arriscando na Ficção Histórica
Então você quer escrever ficção
histórica, hm? Muito bom! É um gênero desafiador e que tem tudo para ser
prazeroso e enriquecedor, se for escrito com dedicação. O ser humano já fez
tanta coisa doida que os nossos livros de História são fontes de inspiração
inesgotáveis. Sempre dá para tirar um conto bizarro de uma história real,
escrevendo sobre o imperador que deu um cargo para o seu cavalo, o eremita
medieval que morava em cima de uma pilastra, ou a batalha entre os Cavaleiros
Teutônicos e o Principado de Novgorod que aconteceu em cima de um lago
congelado (que obviamente rachou, e pobrezinhos dos cavalos).
Antes de se arriscar na ficção
histórica, é bom a gente saber qual a característica principal desse gênero.
Que é até fácil de deduzir né: ela se situa no mundo real (sem magia, sem
coisas não comprovadas pela ciência), mas numa época diferente da atualidade.
Segundo a Wikipédia, o autor de ficção histórica “faz uma honesta tentativa de
capturar o espírito, as condições sociais da pessoa ou da época, que
representam a atenção ao pormenor e fidelidade”. Você pode retratar eventos
históricos famosos (como alguma batalha da Segunda Guerra Mundial, por
exemplo), personagens famosos (Napoleão, Hitler, a Rainha Vitória) ou não –
pode ser um livro com eventos fictícios, personagens completamente
inventados... desde que eles tenham “a cara” da sua época.
Desse conceito aí a gente já pode
extrair os dois mandamentos da ficção histórica:
1.
Não terás preguiça de pesquisar.
"Eu pesquisei!" |
2.
Duvidarás de tudo o que conheces.
"Tenho minhas dúvidas." |
Esses dois “mandamentos” estão
muito ligados e uma coisa leva a outra: a pesquisa nasce de uma dúvida, e
quando você pesquisa, é provável que descubra mais coisas e questione mais, e
surjam novas dúvidas...
"Isso não é bom o suficiente!" |
Mas calma, dá para sair dessa espiral. Primeiro deixe-me
explicar por que essas coisas são importantes.
O ser humano, em essência, sempre
foi o mesmo em todas as épocas e lugares, então está ok você colocar nos seus
personagens conflitos que ainda se têm hoje em dia – necessidade de dinheiro,
por exemplo, tensões familiares ou receio quanto a encontrar o seu grande amor.
Mas as ideias, os costumes, hábitos e as coisas que cercavam as pessoas mudaram
muito de uma época para a outra. Sem contar que, quanto mais você recua para o
passado, maior as chances de que algo que você conhece não existisse naquela
época. Por exemplo, um erro comum é colocar personagens europeus bebendo chá
(principalmente ingleses) na Idade Média, por exemplo, quando o chá chegou à
Inglaterra no Século XV, trazido da Índia e da China por mercadores, e só se
universalizou como costume dos ingleses no Século XIX.
Tá vendo por que precisa duvidar
de tudo? Aposto que a maioria do pessoal – até eu – tinha a impressão de que o
primeiro inglês que surgiu no mundo já veio com uma xícara de chá na mão. Fomos
enganados.
Outro motivo pelo qual é
importante pesquisar (e não só no primeiro link do Google) é para se certificar
um pouco das informações, porque existem muitos links com informações erradas
por aí, ou até com informações bem parciais (ideologicamente falando)... Então
é bom dar uma olhada em umas duas ou três fontes, para tentar colher o que
realmente aconteceu, e não reproduzir boatos. Como com uma fofoca que te contam
na turma do fundão: dependendo da relação de quem te contou com a pessoa sobre
a qual é a fofoca, você vai dar mais ou menos crédito. Os historiadores são
como fofoqueiros, às vezes.
Uma coisa vital na hora de criar
o seu personagem é ver se ele não está muito à frente do seu tempo ou muito “do
contra” na sua mentalidade, a ponto de parecer fora de lugar no cenário
histórico que você escolheu para ele. Sempre existiu gente com pensamentos
diferentes, contrários à maioria da sociedade, pessoas corajosas e visionárias?
Claro, inclusive amo/sou esses personagens, mas não vamos exagerar. Por
exemplo, no meu livro “Uma História Bárbara”, na versão inicial, eu e minha
amiga fizemos um guerreiro viking
defender o vegetarianismo.
Sir Tetedepiaf está chocado. |
Os caras viviam de caça, além da agricultura, e
sério, com a cultura violenta que não via problemas em matar seres humanos, não
fazia muito sentido o guerreiro – por mais à frente do seu tempo que ele fosse
– ficar com pena de matar animais para comer. Por isso nós retiramos essa
parte.
Bom, não existe um manual ou
método infalível para escrever uma boa ficção histórica. Você tendo em mente a
questão de que está escrevendo sobre um tempo diferente, com costumes
diferentes, e tendo disposição para pesquisar, já é meio caminho andado. Mas
podemos traçar alguns passos, para ajudar a se orientar:
- Tenha a sua ideia (óbvio, né?), que provavelmente já vai vir com a época em que você quer ambientar.
- Se a ideia não veio com a época, você pode dar uma pesquisada para ver em qual época/lugar ela se encaixa melhor. Por exemplo, em “Dias Vermelhos”, eu tinha a ideia genérica de fazer um romance que se passasse parte na Rússia e parte no Brasil, mas não tinha a época em mente. Procurei, então, um período histórico em que houvesse certa interação entre os dois países, e encontrei a década de 1930.
- Dê uma pesquisadinha básica, só para não começar do zero. Se você tem costume de traçar todo o enredo antes de escrever, verifique os pontos principais dele, se podem ocorrer naquele período que você escreveu, ou vão ficar estranhos, e tente adequar – ou a época, ou os detalhes do teu enredo.
- Antes ou enquanto escreve, procure também coisas mais detalhadas sobre o período histórico do teu livro: roupas, comidas, ideias populares... Geralmente nessa fase você vai encontrar curiosidades interessantes e outras ideias para cenas e desdobramentos da tua história podem surgir na mente. Fique com as que se encaixam e descarte o resto, ou deixe guardado pra informar os leitores num capítulo de curiosidades, mas cuidado para não perder o foco.
- Varie as fontes de pesquisa! Não fique só lendo, porque isso pode te deixar de saco cheio. Assista filmes, documentários, escute música... tudo pode acrescentar um pouquinho.
- O principal: se divirta! Se a história se tornou um peso para você mais do que uma diversão, repense se ela vale a pena. Faça pausas na pesquisa, não se sobrecarregue. Não se preocupe tanto, não fique paranoico, siga um pouco o instinto também. Lembre-se que há leitores betas e há a fase da revisão para corrigir alguma coisa que você tenha deixado passar. É importante que você tenha prazer com a sua própria história, porque se você não gostar dela, vai acabar transparecendo isso na sua escrita e os leitores poderão perder o gosto também.
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