Indicação Wattpad: A Lenda da Mariposa (+ 6 livros)

Hoje é dia de quebrar paradigmas aqui no blog.  
Venho com um gênero pouco usual: poesia. E, além disso, hoje não estou indicando propriamente uma obra, mas um autor, o Gabriel Yukio Goto (vainpoetry), atualmente meu poeta preferido no mundo laranja do Wattpad.
O fato é que eu sou uma leitora bem eclética até, e minhas leituras transitam entre vários gêneros, apesar de muitas vezes repetirem os autores. 
Eu não acompanho muita coisa no Wattpad. Na verdade, eu não acompanho nem série de TV. Sou muito do tipo maratonista mesmo, e dou preferência para as completas. É questão de hábito, e, inclusive, como autora, adoro os leitores que acompanham. Mas para eu seguir obras em andamento, preciso gostar muito do trabalho do autor. 
E, nessa época que eu estou, um pouco distante das leituras daqui, este é, faticamente, o único autor que eu estou acompanhando as postagens, com um pequeno delay, porque os poemas do Gabriel me tocam profundamente.
Ele tem 15 obras na plataforma, pelo menos dois terços dela são de poemas. Poemas riquíssimos em sensibilidade e sutileza no uso da língua portuguesa, em que notamos os jogos com os significados das palavras,  por meio de meras insinuações, ou o uso da geografia dos poemas para comunicar o sentido, no que o autor chama de "tentativas" (que, a meu ver, foram muito bem sucedidas) de poemas concretos . 
Alguns dos poemas se agrupam pela pertinência temática, outros pela forma (haikais, sonetos, etc.), mas uma característica serve como fio que permeia toda a obra e une os diferentes poemas num quadro do coração do autor: sinceridade. 
Há, é claro, poemas que visivelmente sangram mais que os outros, que tocam mais que os outros. Mas essa é uma avaliação variável, porque depende da experiência e das sensibilidades de cada leitor. As cordas do coração de cada pessoa são reguladas em diferentes afinações,  afinal. Mas o lirismo do Gabriel é como um virtuoso que consegue tanger os diversos instrumentos de uma orquestra de corda.
Tudo isso pra dizer que eu tenho os meus livros preferidos dentre os dele, e é sobre estes que vou falar um pouquinho aqui.
A Lenda da Mariposa
Além das razões pessoais para esse ser o meu livro preferido do thevainpoetry, há a própria estrutura dos poemas, isto é, a uniformidade e ao mesmo tempo liberdade estrutural deles, que lhes dá um tom de conversa ou monólogo interno. Cada poema é "Sobre" alguma coisa, e a impressão que temos é a de ter invadido a cabeça do autor — ou do eu-lírico, que varia — e tê-lo surpreendido no meio de uma sessão de hesitação, raciocínio, lamentação, autoconsolo, enfim. A linguagem também é informal e pensativa, e isso dá ao livro um ar muito íntimo. 
   
Há outro elemento que costura os poemas, uma certa melancolia ou sensação de impotência. É a lenda da mariposa. A introdução "Sobre a lenda" não está ali por acaso. Os conjuntos de versos são independentes, mas conectam-se por um ou outro elemento com a figura da mariposa que anseia pela luz, mesmo que esta seja inatingível ou lhe cause dano. A mariposa e a luz estão constantemente lá, em destaque ou no cantinho, tatuadas no plano de fundo, às vezes imperceptíveis, às vezes só deixando entrever uma asa ou um piscar de luz.
A lenda da mariposa é triste e encantador. E a maior tristeza é que só tenha 39 poemas.
O Quarteto das Estações (haikais): 
Chuva de Outono, Ventos Invernais, Juventude e A Sombra da Árvore 
aka
Um monte de símbolos em japonês que eu não sei copiar
Salvo engano, foi um destes livros que me apresentou a obra do Gabriel. Eu não costumava ler poesia no Wattpad e fui parar no livro de haikais em andamento (na época era o Ventos Invernais) por acidente, ou antes, por homenagem. Mas o livro ficou na minha biblioteca, e um dia eu recebi uma notificação de um haikai sobre estrelas. Ele era tão lindo que eu comecei a ler o resto do livro e me encantei. Não lembro do título, mas o haikai era assim:
Sou íntimo do céu
Ele me mostra suas estrelas
Eu o meu coração
E, como a pessoa encantada que sou pela beleza da natureza como sou, me banqueteei nos Ventos Invernais, depois maratonei Chuva de Outono, esperei Juventude chegar ao fim e maratonei também, e agora estou acompanhando o quarto irmão, A sombra da Árvore. A natureza é tema constante nas páginas deles, apesar de não o único.
Atualmente, são 402 poemas compondo esses livros, e o último livro ainda está em andamento. É muito material para saborear. Mas como são compostos desses complexos poemas de três versinhos — com frequência, três soquinhos na sua cara — é até possível ler os livros inteiros num dia só, se você for apressado(a) como eu, ou ler pausadamente, parando para refletir sobre cada os sentidos de cada um, porque os quatro irmãos das estações, ao contrário do próximo livro da lista, não estão com planos de sair do site por enquanto.
Um Abismo Atrai o Outro
Bom, começo dizendo que se você não se lançou nesse abismo, e quer conhecê-lo, é melhor fazer isso logo, porque o livro vai deixar o Wattpad em 17 de fevereiro
É difícil falar sobre o Abismo. Ao contrário dos livros listados acima, não existe unidade de forma, e nem uma unidade de jeito (como no caso de A Lenda da Mariposa). Os poemas vêm ao sabor do vento, de um modo meio caótico, bem próprio de um abismo, talvez. A unidade entre eles talvez esteja apenas na melancolia que os permeia, e na decisão de escancarar-se.
   
Um Abismo Atrai o Outro tem 200 partes, e você encontra de tudo ali. Há até uma historinha, composta com três ou quatro poemas, estrategicamente colocados, que falam sobre o próprio abismo, e dos quais o mais bonito, na minha opinião, é o "LXXIV - A fuga do abismo", um dos concretos de que falei acima, genialmente executado. Ele tem um segredo, até simples de descobrir, mas não vou adiantar nada, vá lá ler.
O livro também contém bastante metalinguagem, com versos que dissertam sobre a poesia, o poeta, a escrita e o escritor. Eles estão entre os meus favoritos da obra e do autor. O Gabriel analisa as intenções e desejos do escritor com uma lucidez e até quase um cinismo que faz qualquer outro escritor se sentir 200% exposto. 
Veja do que estou falando. Se você também for escritor, aposto 2 contra 1 que vai se identificar.
   
Por essas e outras que não me surpreende o livro ter ganhado o prêmio Wattys 2017, e exatamente na categoria "Grandes Descobertas".
As Andorinhas Voltaram
Uma vez que você tenha saído do Abismo, ou mesmo sem ter passado por lá, você se depara em "As Andorinhas Voltaram" com o convite do poeta para se aventurar em terras mais alegres.
O conceito que une as partes de As Andorinhas Voltaram é, por assim dizer, a esperança. Mas existe a promessa de que essa esperança não venha falsificada, transvestida naquelas grotescas vestes motivacionais em que a encontramos aí pelas redes sociais.
A tarefa é tão desafiadora que o livro já chegou ao fim, com menos de um mês da sua publicação. Ainda assim, há 55 composições para apreciar, nem todas assim tão alto-astral, mas certamente dignas da apreciação do leitor.
   

E assim acaba meu pequeno primeiro sarau. O thevainpoetry tem outras obras poéticas, mas vou deixar vocês descobrirem sozinhos, cavoucando o perfil dele como eu às vezes faço. Aliás, se procurarem esse mesmo username no Instagram ou no Facebook vão achar os poemas e fragmentos de poemas dele, em um formato bem confortável para compartilhar.
Façam isso. E quando — no que eu acredito — o rapaz receber o reconhecimento merecido como representante da poesia brasileira contemporânea e a lista das suas obras estiver enfeitando as páginas eletrônicas da Wikipedia (e, quem sabe, as páginas físicas dos livros escolares), vocês poderão dizer que já gostavam de Gabriel Goto before it was mainstream.
Boa noite e fiquem de olho para as próximas indicações e resenhas.
(Ainda tenho esperança de que saia a do "Romance d'A Pedra do Reino").

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