Resenha: A Abolição do Homem, C. S. Lewis

Mais um da série “livros que eu comprei e não li” e também da série “comecei ano passado e parei ” foi atacado hoje : A Abolição do Homem, do C. S. Lewis (edição da Martins Fontes de 2014, tradução de Remo Mannarino Filho). Lembro bem por que o tinha abandonado inicialmente , ou antes, adiado a leitura : pelas primeiras páginas já deu para perceber que se tratava de um livro complexo , em que pese pequeno , e eu não estava com ânimo para pensar muito , na ocasião .
Mas o dia dele chegou . A Abolição do Homem é uma espécie de tratado lógico -filosófico escrito pelo C. S. Lewis como resposta ou contestação a uma tendência principiológica que ele percebeu em alguns livros didáticos que foi requisitado para analisar . Ele não nos diz qual é o livro e trata os autores por pseudônimos , porque diz que , apesar dos erros encontrados , não pressupõe sua má -fé .
Pois bem . A postura intelectual que ele critica é uma que estava apenas se desenvolvendo em sua época , a primeira metade do século passado, e que hoje já se encontra razoavelmente consolidada , inclusive com opositores , entre os quais me incluo .
Trata-se da postura que recebe a designação genérica na internet de “pós -modernismo ”, embora talvez não corresponda ao conceito oficial de pós -modernismo . Em suma , é um posicionamento que considera a verdade objetiva inexistente ou relativa , isto é , nada é verdade em si mesmo , havendo tantas verdades quantas forem os sujeitos que interagem com um objeto ou conceito . Como não existe uma verdade objetiva , para que o acerto das versões subjetivas seja avaliada de acordo com o quanto elas se aproximam da realidade do objeto , todas essas versões são igualmente válidas .
Uma analogia , em que pese imperfeita , pode esclarecer um pouco : imagine-se uma maçã . Entram duas pessoas numa sala , uma delas diz que ela é vermelha . A outra , que é daltônica , diz que a maçã é verde . A tendência seria considerar a versão da pessoa não -daltônica a versão correta . Porém a verdade é que nada tem cor , no universo ; as cores são dadas pela forma como as substâncias químicas que compõem aquele objeto reagem à luz e como o nosso olho as capta . Nesse caso , já que a maçã não “tem ” cor , não se poderia dizer que nenhum dos dois que definiram a cor da maçã estava errado . Eles apenas relataram a realidade como a percebiam .
E são os primórdios desse extrapolamento que C. S. Lewis critica em A Abolição do Homem. Ele percebe que os autores do livro didático induzem em seus alunos um modo de pensar que se pretende racionalista e desmistificador , e uma das primeiras características desse modo de pensar é afirmar que as coisas não têm qualidades em si mesmas , mas que quando dizemos “que uma cachoeira é sublime”, para usar um exemplo do livro , estamos apenas dizendo como nós mesmos nos sentimos na presença da cachoeira . E, como consequência , os mesmos autores descartam esses sentimentos como desimportantes ou meras oscilações subjetivas sem fundamento racional real.
A operação doLivro verde e seus semelhantes é produzir o que podemos chamar deHomens sem Peito . Éabominável que não raro dêem a isso o nome deIntelectuais . Issolhes dá a chance dedizer que quem osataca ,está atacando a Inteligência .Não é verdade .Eles não se distinguem dosdemais homens poruma habilidade especial paraencontrar averdade nem por um ardorinsuperável ao persegui -la.Seria de fato estranho se assim fossem : umaperseverante devoção à verdade , umsentido agudo dehonra intelectual não podem sermantidos por muito temposem a ajuda dossentimentos que Gaiuse Titusdesmascarariam com afacilidade habitual.Não é o excesso depensamento que oscaracteriza ,mas umacarência deemoções férteis e generosas .Suas cabeças não são maiores que ascomuns :é a atrofia dopeito logoabaixo que faz com que pareçam assim .
Na raiz dessa negação de qualidades intrínsecas às coisas , Lewis enxerga a negação de toda a verdade objetiva e , assim , de todo o critério para fundamentar um sistema de valores extraindividuais .
Como lógico rígido que era, Lewis se propõe a combater essa noção no terreno da lógica . Para isso , ele refere a existência de alguns preceitos morais comuns a diversas religiões , culturas e civilizações , coisas simples , do tipo “assassinar é ruim ”, “cuidar dos familiares é bom ” e empresta do taoísmo o nome de Tao para designar essa espécie de sistema de valores universal, que subsiste por meio da tradição .
Nessa progressão de raciocínios , Lewis chega a um momento em que ele se depara com uma oposição : certo , e se todos os valores estiverem mesmo dentro do Tao, e fora do Tao nenhum valor seja possível ? Por que o ser humano não pode simplesmente passar a uma realidade sem os tais valores ? Dominar sua própria consciência — ou a consciência coletiva — assim como vem paulatinamente dominando todas as partes da natureza ? Por que o homem não poderia também , num estágio mais avançado de evolução , dominar a própria natureza humana e subjugá -la às próprias regras dele ?
E daí chegamos ao terceiro e último capítulo , que tem o mesmo título do livro , e cuja premissa é a seguinte : tentando dominar a natureza tão completamente a ponto de dominar até a própria natureza humana , o homem se fundiria à própria natureza , causando a abolição do Homem, isto é , do ser humano como o conhecemos , com as características que o fazem humano , diferenciado dos animais .
A progressão lógica desse capítulo é muito interessante . O autor demonstra que dizer que o homem domina a natureza não é exatamente verdade . Ele pega três exemplos de elementos que eram vitórias do homem sobre a natureza na época (avião , rádio e anticoncepcionais ) e mostra que , em última instância , esses avanços são a vitória somente de alguns homens (só os que podem pagar , que podem produzir , determinar ou proibir a produção e distribuição , etc) sobre a natureza , e , além disso , não é tanto a natureza que está sendo dominada , mas sim foi convertida em meio para alguns homens exercerem poder sobre os outros . Ele mostra que isso é uma constante : mesmo que houvesse apenas um Estado e este fosse baseado no governo em favor da maioria , o “domínio da natureza ” seria usado para o exercício de poder da maioria sobre as minorias , e , num outro nível , poder de um governo (minoria ) sobre a totalidade do povo (maioria ).
No que toca especialmente ao exemplo dos anticoncepcionais , segundo Lewis, a dominação de uns seres humanos por outros ocorre em outro plano, num plano temporal ou geracional , em que as gerações anteriores exercem controle sobre as futuras . Partindo desse gancho , ele entra num momento especulativo , quase distópico , do seu raciocínio , e menciona a eugenia , referindo os conflitos geracionais e apontando que a geração mais “forte” ou com mais domínio sobre a natureza seria — pela lógica desmistificadora — aquela que estivesse mais desprendida do Tao, isto é , que mais resistisse às gerações passadas , e que tivesse mais poder sobre as gerações futuras , aquele poder sobre a consciência ou sobre a própria “natureza humana ”. Em seguida ele demonstra que , numa reviravolta bizarra , essas pessoas , despidas de valores como “o bem da posteridade ” ou “a felicidade geral ” — pois se os tivessem , ainda não seriam a última geração , aquela que se livrou completamente do Tao — só poderiam ser governadas pelos próprios impulsos que , em si mesmos , não carregam valores de bons ou ruins, apenas existem . Sem critério para ordená -los esses impulsos seriam exercidos ao arbítrio da vontade individual da minoria que estaria no poder então — a quem o autor denomina como “os Manipuladores ” — ou seja , ao sabor das flutuações de suas inclinações naturais .
Assim, no momento supremo da vitória do Homem sobre a natureza , a natureza teria vencido o Homem, abolindo -o com tudo o que lhe era próprio .
É, eu sei. Mindblowing . O livro dá aquela espancada básica no nosso cérebro e o bota para se exercitar . Não é fácil de entender , e menos ainda de resumir , mas, na medida do possível , a essência do tratado é essa que foi exposta .
Lewis ainda faz algumas ressalvas , dizendo que não está pintando os homens futuros como “malvados ”, até porque o conceito de bem e mal não existiria para os dominadores , nessa geração hipotética , e nos dominados seria aquilo que os dominadores resolvessem insuflar . Que os dominados também não seriam infelizes , porque sua lógica de vida seria aquela artificialmente construída pelos Manipuladores e , se esses fossem realmente eficientes , não haveria bases para rebeldia . (Esse sistema de Manipuladores e dominados me fez lembrar um pouco a sociedade perfeita de livres e escravos imaginada por Chigalióv , em Os Demônios , do Dostoiévski ). No mais , ressalta ainda que não se trata de uma crítica velada aos sistemas políticos inimigos da Inglaterra naquele tempo: Lewis considerava que todos os sistemas políticos vigentes — o comunismo , o fascismo e a democracia burguesa também — estavam caminhando nessa mesma direção , embora com argumentos diferentes . Ele aponta inclusive mudanças na linguagem moderna que essa tendência estaria operando :
“A virtude se tornou integração ; a diligência , dinamismo ; e os rapazes que são capazes de exercer um cargo de certa importância são “ bom material humano ”. E, ainda mais assombroso , as virtudes da parcimônia e da temperança , e mesmo da inteligência corriqueira , tornaram -se resistência à compra (sales-resistance).”
A última defesa do autor é prevendo que o chamarão de obscurantista , antiquado e contrário ao progresso científico , por seu posicionamento . Embora entristecendo -se pela acusação que considera inverídica , termina o livro com uma crítica à ciência — ou antes, à ciência utilitária , que viola todo tipo de limite não em busca de conhecer a realidade , mas de curvá -la à sua vontade .
No fim das contas , o que eu achei do livro ?
Em linhas gerais , eu concordo com a ideia defendida pelo C. S. Lewis (como ocorre com frequência ), mas este não foi meu livro preferido dele .
Como quase sempre é o que acontece , especialmente hoje em dia , em tempos de “verdades relativas ”.
Gostaria de congratular vossa senhoria. Escreveste a melhor crítica literária que já tive a oportunidade de ler sobre essa obra.
ResponderExcluirPuntatore laser blu
ResponderExcluirPuntatore laser verde
Puntero láser
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